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FESA Entrevista Paloma Sacramento, palestrante e psicóloga clínica especializada em saúde mental nas organizações

Em agosto, a palestrante e psicóloga clínica Paloma Sacramento, conduziu com a CLO e co-founder da Trillio, Renata Schiavone, o curso “Mente Saudável: Neurociência no Cotidiano”, tema cada vez mais debatido no ambiente corporativo. 

No quadro FESA Entrevista deste mês, Paloma falou sobre a importância de trabalhar o tema nas empresas, a dificuldade de detectar o burnout nos profissionais e como as empresas podem realizar ações rotineiras que ajudem a evitar o problema. Confira!

Na sua opinião, qual a importância da qualidade de vida e do bem-estar emocional no ambiente de trabalho?

Toda. Temos falado muito sobre como tudo está integrado e conectado. Não tem como separar. Antigamente tinha-se a ideia do “vou vestir uma máscara e capa” e a gente ainda faz isso em alguns momentos da nossa vida, mas não tem como a gente desconectar e não ter essa integração quando falamos de saúde mental.

É necessário estar bem na vida pessoal, em diversas áreas, para tudo fluir e vice-versa. Se não me sinto bem no âmbito profissional, também haverá impactos em outras áreas. Então, é preciso cuidar e olhar de uma forma integral, e não separando o trabalho e vida profissional. É imprescindível olhar para o corpo, a mente,  as relações e o ambiente em que se está inserido. Gostamos e temos a tendência de selecionar tudo por “caixinhas”, mas não dá, tudo acontece no mesmo momento e isso vai sendo vinculado internamente.

Uma das minhas especializações é em Psicologia Positiva, e existe um estudo que fala sobre o que é necessário para encontrar a felicidade autêntica. Felicidade autêntica não é sobre os picos de felicidade que temos, mas o equilíbrio, o bem-estar, de conseguir ver que a nossa vida é problemática, tem desafios, mas que o equilíbrio é suportar tudo isso e lidar com as inconstâncias. Brinco que, entre os picos e os vales, é conseguirmos estar ali em equilíbrio com as nossas emoções. E esse esquema, que se chama “PERMA” na Psicologia Positiva, é baseado em elementos que abordam: emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, propósito e realização. Diversos itens que, quando olhamos para os seres humanos, impactam.

O ambiente de trabalho impacta; a minha relação pessoal impacta; as pessoas com quem converso no dia a dia impactam. A questão político-social, impacta. Fazemos esse espelhamento. Se tenho boletos, questões financeiras, tudo impacta a minha vida também, e fico suscetível a estar menos equilibrada. Geralmente, em todos os campos da psicologia a gente olha para as dores, mas aqui a gente olha para um lado positivo. Falamos de gratidão, emoções positivas, como faço para alcançar esse nível de bem-estar.

Então podemos dizer que a vida pessoal e profissional estão relacionadas? E que o bem-estar influencia em ambas?

Sim, estão. E é daí que muitas vezes vem a dificuldade de fazer um diagnóstico de burnout. O burnout é uma síndrome causada pelo ambiente de trabalho, é uma exaustão vinculada ao trabalho. Mas também tem a ver com uma elevada cobrança e crítica interna que resultam numa baixa autoestima.

Às vezes, estão acontecendo coisas no trabalho que vão nos adoecendo, e isso começa a impactar a vida pessoal. Eu começo a não querer sair no final de semana, ficar sem vontade, questões que prejudicam as minhas relações. E a gente fica na dúvida: será que começou na vida pessoal ou na profissional?

Temos que olhar o indivíduo como parte integral e conectada por todos os seus ambientes. Se tudo está sendo impactado, como eu cuido? Isso também facilita o cuidado: se eu entender que pequenas — e importantes — ações vão mudar a minha vida, eu tendo a atuar com uma perspectiva mais positiva e integrada.  

Quais são as principais dicas para melhorar o bem-estar dos colaboradores durante o período de trabalho?

A grande dificuldade que os líderes reportam é não saber como motivar as pessoas. Quando falamos de motivação e qualidade de vida, precisamos lembrar das motivações intrínsecas e das extrínsecas.

O extrínseco é tudo aquilo que a grande maioria das empresas faz (ou deveria fazer): bonificação, reconhecimento, proporcionar um ambiente de qualidade, ter uma liderança que desenvolve. Mas quando falamos de qualidade de vida, precisamos falar sobre segurança psicológica. E aí é um pouco mais complexo, já que é necessário ter confiança no ambiente e nas pessoas que estão nele.

Isso não quer dizer achar a pessoa legal e confiar. É ter confiança para me expressar, ser criativo, poder errar, opinar sem ser julgado, confiança para interagir, aprender, me sentir pertencente. Às vezes é difícil, porque estamos falando de um ambiente que é um negócio, focado em desafios, metas e resultados.

O grande desafio das culturas organizacionais e das lideranças, que são quem colocam a cultura em prática, é como criar um ambiente de confiança no qual a pessoa se sinta confiante, interaja, se expresse, se sinta pertencente. É preciso ter uma liderança e um ambiente que sejam verdadeiros, que aquilo que é dito seja cumprido. 

No último mês, você participou da gravação de um videocast e curso sobre o tema com a Trillio. Quais as dicas dadas nessas produções e como elas impactam na questão da saúde mental e inteligência emocional?

No videocast falamos de ansiedade, depressão e sabotadores. É mais introdutório, um bate-papo leve. Já o curso de saúde mental “Mente Saudável: Neurociência no Cotidiano”, que estamos relançando, tem uma base de neurociência em que falamos sobre estresse e exaustão, burnout, ansiedade e depressão.

Explico como, neurologicamente, o nosso corpo atua ao receber as emoções e como podemos equalizá-las. É um curso didático e prático. Não é uma neurociência complicada, é como é aplicada. E vem com muitos exercícios: como controlar o humor, a raiva, como fazer exercícios de respiração para trabalhar a ansiedade, como identificar o ciclo de ansiedade, etc. São exercícios para aprofundar o autoconhecimento e a ampliação de conhecimento das pessoas. É um curso curto, mas profundo e com uma porta de entrada para o autoconhecimento.

Já o de inteligência emocional passa pelos pilares do tema, mas de uso prático, com exercícios baseados na TCC (Terapia Cognitiva Comportamental), na neurociência, mas aplicado ao comportamento humano — como controlar as emoções, como não estourar em uma reunião ou ao receber um feedback negativo, por exemplo. Ele está muito conectado a como a vida acontece e como eu me posiciono nas relações.

Quando as empresas identificam que precisam ministrar um curso sobre saúde mental e inteligência emocional, qual a maior preocupação delas?

Depois da pandemia, abriu-se um espaço muito maior para falar de saúde mental nas empresas. Ainda há dúvida sobre como abordar, lidar, como o líder se posiciona. Uma das dificuldades que percebo é que estamos todos adoecidos.

Há uma dificuldade de entender até onde vai o papel do líder porque ele não é psicólogo, psiquiatra ou pessoa da área da saúde, mas no dia a dia ele é solicitado para solucionar conflitos. Em contraponto, há situações em que o líder não identifica esse adoecimento por ser o próprio causador da situação. 

“Como a cultura, o RH, a área de qualidade de vida podem fazer?” muitas empresas chegam com essa dúvida, sobre como abordar o tema — e surgem por meio do foco em autoconhecimento. Muitas trilhas com as quais trabalho são sobre autoconhecimento, inteligência emocional e o mundo BANI. Temos falado muito sobre como ampliar a inteligência emocional, integrando os âmbitos pessoais e profissionais, pois, como falamos, uma coisa impacta a outra, na empresa ou fora dela, o resultado dos meus comportamentos e atitudes impactam todos os ângulos da minha vida. 

As empresas têm buscado isso, esse suporte, e essa tem sido a entrega de valor: ir além das teorias e entender de forma prática e acessível, como aplicar saúde mental, inteligência emocional e melhorar de fato os ambientes para que eles sejam mais seguros, não sendo somente um discurso cultural, mas uma vivência prática.

Afinal, no final do dia não é somente sobre metas e resultados, mas sim sobre pessoas que alcançam essas metas e resultados desejados. É sobre como liderança e cultura são aplicadas no dia a dia para suporte e consistência, favorecendo ambientes saudáveis.

Durante o setembro amarelo e no janeiro branco, saúde mental é um tema constante. Você percebe esse movimento nas empresas só nessas épocas ou fora delas também?

Os movimentos são muito fortes nessas épocas, mas teve uma mudança na lei e um dos temas obrigatórios é a segurança psicológica. As empresas estão se movimentando mais para trazer segurança psicológica, mas não querem falar apenas disso porque uma hora o tema esgota.

Apesar de ser um tema muito abordado, tenho falado também sobre segurança psicológica conectado com saúde mental, autoestima, como o líder pode aplicar a comunicação não-violenta e vários temas de soft skills também. 

Apesar de tudo ter começado com esses meses que trazem destaques, os assuntos nas organizações tem se propagado. Até setembro amarelo, que lá no começo era com foco em suicídio, agora tem como foco a valorização da vida, psicologia positiva, autoestima, inteligência emocional. Sinto que estão ampliando a discussão e está se tornando mais rotineiro abordar temas que englobam saúde mental.

Como as empresas podem tratar o tema no dia a dia?

Tendo uma comunicação aberta e estimulando a autorresponsabilidade de todos. Existe o cargo de liderança, mas quando todos entendem que podem executar o papel de líder, ter autonomia, cuidar do outro, ter esse olhar e empenho no meu ambiente, todos podem fazer isso.

Quando o indivíduo assume o papel e a influência que possui, compreende a forma que impacta o meio em que está inserido, entende a necessidade da autorresponsabilidade e observa e transforma os próprios comportamentos e atitudes. O processo de transformação é simples e aplicável no dia a dia. É extremamente necessário esse olhar, compreender que a cultura direciona a liderança para os pontos de necessidade do negócio, mas que os colaboradores também têm essa autonomia e devem se apropriar dela.

Para impactar o ambiente que estamos inseridos, é imprescindível ter comunicação aberta e verdadeira, sensibilidade social e respeitar as diversidades — uma diversidade que acontece no dia a dia, de respeitar uma opinião diferente da minha, uma posição política, que o outro não tem a mesma técnica que eu. Isso é sobre respeito. Empatia não é se colocar no lugar do outro, é tentar entender o outro e, se não concordar, respeitar. Esses alinhamentos vão deixando o ambiente saudável.

Trabalhamos também a aceitação da nossa vulnerabilidade. Só é possível construir um ambiente seguro e no qual as pessoas possam errar sem ser julgadas, quando há um ambiente humanizado, uma liderança humanizada, com o processo de escuta ativa e de acolhimento.

Então é entender que exercemos influência no ambiente em que estamos, e em coisas simples: se eu chegar todos os dias mal-humorada, vou atrapalhar a equipe. É sobre ser educado, respeitoso. E aí tem o olhar do entorno, de acolher, de entender como podemos ajudar. Não só esperar a liderança, mas se questionar todos os dias: “eu, enquanto parte integrante deste sistema, como posso ajudar na construção de um ambiente saudável emocionalmente?”.

Há algo mais sobre o tema que gostaria de acrescentar?

Quando alguém me pergunta “Por onde eu começo um autocuidado e um equilíbrio da mente?”, sempre falo de uma tríade inicial: alimentação, exercício físico e qualidade do sono. Somos conectados — se a minha mente não está bem, ela impacta no físico e vice-versa. Na neurologia, por exemplo, entendemos que não é normal ter dores. E normalmente existe um fundo emocional.

A questão da atividade física está relacionada com a dopamina, que ajuda a reduzir estresse e equalizar os sentimentos. Isso implica também no sono, pois ter um sono de qualidade não tem só relação com a quantidade de horas dormidas, mas a qualidade. Um sono de qualidade acontece quando acordo disposto, revigorado, bem e descansado. Ao contrário disso, uma noite ruim e sem qualidade impacta diretamente os nossos hormônios, a nossa qualidade produtiva e de desempenho.

A alimentação também é importante. É comprovado que o nosso cérebro tem um aumento físico quando temos depressão ou ansiedade. Quando como muitos alimentos que inflamam o corpo, com altas taxas calóricas, estou prejudicando essa inflamação do meu cérebro. É importante sempre ter atenção aos exames de sangue, hormonais e de vitaminas. Tudo isso impacta no nosso desempenho e pode ser resultado de questões muito mais profundas. Por isso é tão importante o autoconhecimento e acompanhamento em terapia.

O cuidado precisa ser integral, considerando a mente, o físico, as relações e tudo aquilo que a pessoa entende como importante para ela.

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