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FESA Entrevista Gabriel Metzler, Especialista em Liderança e Soft Skills, sobre a inclusão de PCDs e saúde mental nas equipes de trabalho

Em 1991, o Brasil deu um passo importante rumo à inclusão com a Lei 8213/91, que determina que empresas com mais de 100 profissionais devem destinar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência (PCDs). Essa medida visa não apenas ampliar a representatividade no mercado de trabalho, mas também combater o preconceito e promover igualdade de oportunidades.

Para falar sobre o assunto, convidamos Gabriel Metzler, especialista em Liderança e Soft Skills e referência em acessibilidade e inclusão no ambiente corporativo, para o FESA Entrevista. Homem cego e com uma trajetória profissional inspiradora, Gabriel compartilha suas experiências no mercado de trabalho e oferece insights valiosos sobre como as empresas podem ir além da obrigatoriedade legal e construir ambientes realmente saudáveis para todas as pessoas.

Conte um pouco sobre você, sua experiência de vida e desenvolvimento profissional

Sou formado em Engenharia Civil, mas hoje atuo como palestrante sobre diversidade e inclusão. Aos 15 anos, perdi parte da visão brincando com rojões. Ainda assim, segui estudando e me desenvolvendo, mudei de estado, me formei e atuei por anos como engenheiro, voltado para o setor de geração de energia.

No final de 2015 tive um problema no olho esquerdo e fiquei totalmente cego. Passei por reabilitação no Instituto Paranaense de Cegos, para aprender a lidar com esse novo momento da minha vida. Nessa fase, entendi que também seria necessário realizar uma transição de carreira. Migrei da engenharia, para atuar com pessoas, contribuindo com a implementação da diversidade e inclusão de forma efetiva e mais acessível dentro do ambiente de trabalho.

Para você, quais práticas de liderança podem promover um ambiente mais saudável e inclusivo para os colaboradores?

Sabemos que no dia a dia, a rotina do ambiente profissional é agitada, mas é imprescindível que um bom líder reserve um tempo para ouvir os colaboradores. A liderança precisa ter momentos individuais para conhecer melhor os profissionais de seu time, entendendo quais as principais qualidades deles e, assim, ajudar as pessoas a evoluírem dentro do ambiente de trabalho. 

Além disso, é importante ter empatia e desenvolver a capacidade de ouvir o outro. Sempre podemos aprender com as pessoas à nossa volta, pois cada ser humano carrega consigo uma bagagem única. 

Como as empresas podem abordar a saúde mental de forma contínua?

As empresas, seus líderes, gestores e diretores precisam entender o peso da saúde mental, não é frescura. Questões psicológicas impactam diretamente a produtividade e podem aumentar riscos no trabalho.

Um profissional que está enfrentando uma fase depressiva, passando por crises de ansiedade ou até mesmo com um alto nível de estresse, pode vir a ter momentos onde ele “desligue” do trabalho, passa a ser difícil focar nos deveres quando os pensamentos retornam para problemas que estão afligindo o seu dia a dia. Cada profissional passa por situações que muitas vezes só ele entende, por isso é importante escutar o outro, se colocar no lugar dele, criando um ambiente seguro, onde o colaborador possa compartilhar suas dificuldades e receber o suporte adequado. 

Quais competências emocionais são importantes os líderes desenvolverem para criarem um ambiente saudável e gerirem seus times?

O autoconhecimento é essencial para gerir emoções e criar um ambiente respeitoso. A inteligência emocional é imprescindível também, e isso não significa estar sempre feliz e disponível, mas sim saber lidar com sentimentos como medo e insegurança, ajudando também os outros a enfrentá-los.

Existem dias em que as coisas não saem como desejamos, e não estamos bem, sentimos raiva, insegurança, medo, tristeza, por isso é importante ter essa noção de como lidar com as emoções. Quando você aprende a lidar consigo mesmo, consegue começar a olhar para o próximo e ver sinais que indiquem que a pessoa possa precisar de um apoio. 

O que significa ser um líder inclusivo para você?

Ser um líder inclusivo é valorizar habilidades acima de diferenças pessoais, combatendo preconceitos e vieses inconscientes, retirando barreiras e permitindo que todos os seus liderados tenham a possibilidade de se desenvolverem profissionalmente. A diversidade enriquece o ambiente de trabalho e promove crescimento para todos.

Em sua opinião, como a acessibilidade impacta diretamente na saúde mental de profissionais com deficiência?

Esse é um aspecto muito importante, quando falamos em acessibilidade a maior parte das pessoas pensa na instalação de corrimãos, rampas e pisos táteis, entretanto, esses são apenas alguns dos tipos de acessibilidade. 

A acessibilidade tem papel fundamental na saúde mental dos profissionais, um ambiente acessível, permite aos colaboradores ir e vir, tendo a liberdade de poder atuar com independência. 

Por isso, quando falamos nesse assunto, o principal aspecto que precisamos entender é a acessibilidade atitudinal, que é pouco falada, e até mesmo desconhecida por alguns. Ela diz sobre a atitude das pessoas. Quando os profissionais e líderes têm uma atitude acessível, eles desenvolvem um olhar atento para os pequenos detalhes, que para muitos podem passar despercebidos, mas que podem se tornar grandes empecilhos para PCDs, por exemplo. 

Qual a diferença entre inserção no mercado de trabalho e inclusão de fato? Como líderes podem trabalhar no dia-a-dia para ir além da inserção?

Aqui é um aspecto que abrange o debate entre, diversidade, equidade e inclusão. Diversidade é contratar diferentes perfis, e é sempre importante trazer para dentro da empresa um reflexo populacional. 

A inclusão é de fato gerar esse reflexo social dentro do ambiente corporativo, dando oportunidade para os profissionais, tornando eles parte de um todo, sendo exigidos, cobrados e tratados sem diferença. Claro que é importante em alguns casos entender o período de adaptação de cada profissional, tendo o gestor alinhado com todos os setores da empresa, e claro com o profissional. 

Nós, PCDs, usamos uma frase muito importante que explica um pouco este cenário, “nada sobre nós, sem nós”, que reforça a importância do diálogo. Muitas vezes o processo de adaptação profissional é mais simples do que imaginamos. Cada profissional é único, e por isso é importante entender o que cada indivíduo precisaria para poder contribuir com a companhia. 

A generalização atrapalha muito a verdadeira inclusão no ambiente de trabalho, a deficiência é uma característica da pessoa, mas não pode ser vista em primeiro lugar, é importante olhar para as competências, capacidades e habilidades de cada profissional, entendendo como ele pode render e entregar toda sua expertise. No fim, é sobre isso que estamos falando, verdadeiramente integrar as pessoas para que elas trabalhem naquilo que de fato são boas. 

Quais desafios específicos você enfrentou enquanto profissional cego, e como eles moldaram sua visão sobre o papel das empresas na inclusão?

O preconceito e discriminação foram os principais. Muitas vezes aparecem em atitudes sutis, que priorizam a deficiência em detrimento das competências. É importante que as pessoas exercitem sempre o bom senso para identificar soluções e tornar o ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo.

O que você gostaria que os líderes de hoje compreendessem sobre saúde mental e diversidade no ambiente de trabalho?

Vivemos em um modelo de trabalho onde os profissionais são cobrados para atingirem metas e objetivos, entretanto é importante que o líder entenda que alguns aspectos podem atrapalhar no desenvolvimento do trabalho. 

São vários os fatores que impactam na saúde mental, por isso, é importante que os gestores conversem com seus times. Às vezes se faz necessário rever demandas e prazos, para evitar que o trabalho agrave os problemas do colaborador. Muitas vezes é difícil, mas é sempre possível separar um espaço de 15 minutos para conversar com três, quatro profissionais, semanalmente, e criar um espaço para identificar quais precisam de um apoio maior, dessa proximidade com o gestor.

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